Sete de Setembro: a americanização começou com Vargas

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Por Agencia Estado
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O desejo manifestado pelo ministro Luiz Gushiken de que os brasileiros se inspirem nas exibições de patriotismo dos Estados Unidos para celebrar o 7 de Setembro é menos surpreendente do que parece. A histórica propensão dos brasileiros a imitar os norte-americanos, costuma aumentar, ironicamente, nos períodos em que o País é governado por nacionalistas. Nos anos 40, sob a ditadura de Getúlio Vargas, o pai do nacionalismo brasileiro, o País se americanizou culturalmente. Trinta anos mais tarde, na gestão do general Garrastazu Médici, o Brasil adotou slogans importados dos EUA, como aquele que dizia ?ame-o ou deixe-o?, para encobrir os desmandos que o governo então praticava. Foi na era Vargas os brasileiros, então habitantes de um país que se chamava ?Estados Unidos do Brazil? , incorporaram gestos e símbolos americanos e tomaram gosto pela cultura popular dos EUA. São dessa época, por exemplo, a figura de Zé Carioca, uma criação de Walt Disney, autor também do desenho original da insígnia da Força Expedicionária Brasileira (uma cobra verde fumando um cachimbo vermelho sobre um fundo amarelo) na Segunda Guerra Mundial; e a importação dos padrões do rádio-teatro e do jornalismo de rádio dos EUA, facilitado por um acordo entre a CBS e o Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, que tinha entre as suas incumbências a de disciplinar e orientar a atividade dos jornalistas de acordo com os objetivos do governo. Uma das grandes ironias da história do Brasil no século passado, o fenômeno da adoção pelo Brasil varguista de padrões culturais americanos não foi um simples reflexo da globalização provocada pelo desenvolvimento do rádio e do cinema nos anos 30 e 40. Resultou de uma pioneira estratégia de uso dos meios de comunicação concebida em Washington para ganhar os corações e mentes dos brasileiros e manter o País no bloco dos aliados da luta contra o nazismo e o fascismo durante a Segunda Guerra Mundial. O paradoxal convívio e colaboração da ditadura fascistóide e nacionalista que Getúlio então comandava com a estratégia da americanização do Brasil foi praticamente ignorada no apaixonado debate entre intelectuais defensores e detratores de uma maior aproximação com os Estados Unidos até a publicação, quatro anos atrás, do livro ?O Imperialismo Sedutor?, do historiador Antonio Pedro Tota, professor da PUC paulista. Em sua cuidadosa pesquisa, Tota identifica na rápida propagação entre nós, há mais de sessenta anos, de um gesto de militar gringo a confirmação simbólica da americanização da cultura popular brasileira. Trata-se da substituição do leve aperto do lóbulo da orelha com os dedos, usado para indicar que uma coisa boa era ?daqui, ó?, ou seja, da ponta da orelha, pelo sinal que os pilotos americanos faziam antes de decolar do Parnamirim Field, a base aérea que os EUA operaram em Natal, a partir de 1942. ?Quando o primeiro tabaréu, observando os aviões e os pilotos americanos, mimetizou o ?positivo?, com o dedão para cima, o Brasil já estava americanizado?, escreve Tota. Segundo Tota, a americanização da sociedade brasileira na era Vargas foi pensada em Washington com o objetivo de quebrar possíveis resistências à aproximação política entre os dois países. ?A Política da Boa Vizinhança de [Franklin] Roosevelt [foi] o instrumento, de amplo espectro, para a execução do plano de americanização. A sintonia fina da operação ficou a cargo (...) de uma verdadeira ?fábrica de ideologias?criada pelo governo norte-americano.? Seu executor foi Nelson Rockefeller, o futuro governador de Nova York e vice-presidente dos EUA, então um jovem milionário de 32 anos, herdeiro, com seus irmãos, da fortuna da Standard Oil. O historiador observa que, no período que estudou, os meios de comunicação ?foram pedagogicamente usados para americanizar o Brasil?, mas refuta a tese que responsabiliza ?os meios de comunicação do imperialismo pela inoculação sorrateira de culturas estranhas em nosso meio? com o ?objetivo de ?destruir a cultura nacional?. ?Nossa americanização não se deu, obviamente, de forma passiva?, escreve Tota. ?Houve uma interação entre a cultura americana e a brasileira.? Essa interação foi e continua tão forte que sessenta anos depois, o ministro encarregado da propaganda do governo mais esquerdista e com o maior número de anti-americanos que o País já teve toma a iniciativa de propor a americanização da festa de celebração da Independência do Brasil.

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